O regime de colaboração e a iniciativa da Bahia na reelaboração dos projetos político-pedagógicos
Com a conclusão dos Referenciais Curriculares nos estados e o alinhamento dos currículos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em cerca de 98% das redes municipais do país, as escolas e redes de ensino avançam para uma nova fase: a elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos (também chamados de PPP ou apenas PP).
O PPP é um documento central de cada escola, servindo para fortalecer sua identidade e esclarecer aspectos práticos sobre como ela irá conduzir suas ações. A ideia é que dê clareza sobre a organização da escola, as concepções, os marcos conceituais, as estratégias, as metodologias de ensino e de avaliação que vão nortear as práticas conforme os objetivos de aprendizagem.
Estabelecido há 26 anos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) como um documento a ser elaborado pelas escolas, o projeto pedagógico ganha importância no contexto de implementação dos novos currículos alinhados à BNCC. Isso porque o PPP precisa garantir a apropriação das novas diretrizes e levar à reflexão sobre como realizar o trabalho pedagógico, dentro e fora da sala de aula.
Porém, nem sempre a criação de PPPs ganha destaque nos planos de ação das escolas. Driblar esse desafio tornou-se um objetivo de algumas redes de ensino em 2022, a exemplo da Bahia, que lançou em março o Programa de Formação para a (Re)elaboração dos PPPs nas escolas dos municípios baianos.
A iniciativa foi criada pela seccional na Bahia da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e conta com a participação da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME) e da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que irá fornecer respaldo técnico e tecnológico, além do financiamento do Itaú Social.
“O PPP é norteador e tem que ser um documento vivo, a base para uma gestão democrática da escola. Nesse sentido, chamamos a atenção para as três palavras da sigla. É projeto porque reúne o desenvolvimento de atividades em um determinado período de tempo. É político porque tem na escola a formação dos alunos como cidadãos críticos e responsáveis, que vão atuar nessa sociedade de forma individual ou coletiva. E é pedagógico porque envolve todas as atividades e projetos educativos que vão cercar as questões de ensino e aprendizagem”, destacou Claudia Petri, coordenadora de implementação regional do Itaú Social, durante a live de lançamento do programa.
No mesmo encontro, Gilvânia da Conceição Nascimento, coordenadora estadual da UNCME Bahia, também destacou o apoio essencial no retorno presencial após dois anos de aulas remotas ou híbridas. “Será uma grande oportunidade para todos nós, que estamos implicados nesse processo, aprendermos e refletirmos mais sobre a qualidade da educação em nosso estado, sobre as especificidades de cada escola e sobre como a gente articula todo esse processo com as diretrizes nacionais e com os documentos curriculares aprovados em cada município. Não haveria melhor momento para colocar em curso esse projeto, porque a escola não pode retornar ao presencial como se fosse o dia seguinte após 2020. Estamos em outro cenário em todos os aspectos e juntos vamos vencer esses desafios”.
Além das representantes acima, também estiveram no encontro online Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da Undime; Raimundo Pereira, presidente da Undime Bahia; Gerusa do Livramento Moura, especialista em currículo e formadora da Undime; os professores Roberto Sidnei Macedo e Penildon Silva Filho, da Faculdade de Educação da UFBA; e Renê Silva, assessor técnico da Undime Bahia e coordenador do programa de formação.
PPP: Um trabalho de criação coletiva
Em entrevista ao Observatório, o assessor técnico da Undime Bahia, Renê Silva, explicou que o programa lançado em março é uma ação que complementa um trabalho iniciado em 2020 para a reelaboração dos referenciais curriculares municipais. “O currículo se materializa na escola, sobretudo através da organização do trabalho pedagógico pelo PPP”, afirma.
Diferentemente dos currículos, que eram coordenados pelas secretarias e resultaram em um documento por município, a revisão do PPP acontece em cada escola, que desenha seu próprio projeto. Para que a iniciativa tenha resultados, a Undime Bahia aposta na mobilização das secretarias de ensino para fomentar a formação dos profissionais das escolas.
“A grande maioria das escolas já têm experiência na criação de PPP, sendo que alguns realizaram processos participativos, e outros tiveram seus documentos elaborados por consultorias ou técnicos da secretaria, sem inserir a comunidade. Há ainda escolas que não têm PPP e irão começar agora essa ação”, destaca Silva.
Um projeto político-pedagógico construído de forma participativa, dialogada e democrática requer tomada de decisões coletivas e sistematizadas, além de um planejamento claro que oriente a atuação da comunidade escolar. Também é essencial um monitoramento da proposta para a superação de problemas detectados durante o ano.
Por isso, o objetivo central do processo de construção do documento deve ser ampliar o senso de pertencimento e o engajamento de todos, incluindo não só educadores e funcionários, mas também famílias e comunidade local, que poderão ajudar a identificar as necessidades do entorno escolar e inserir no PPP seus anseios com relação à escola.
Reelaboração do PPP com foco na formação das equipes escolares
A construção dos PPP será produto de um amplo processo: o Programa de Formação para a (Re)elaboração dos PPPs nas escolas dos municípios baianos, que terá diferentes etapas de formação, como explica Renê Silva. “Na BA, temos 417 municípios organizados administrativamente em 27 territórios de identidade. Em cada território, haverá um formador regional responsável pelos momentos de formação e que fará a ponte entre a secretaria de educação e a Undime”, esclarece Silva.
No âmbito municipal, cada rede deverá instituir um comitê local para a ação com membros da equipe pedagógica da secretaria e um articulador que irá coordenar a formação nos municípios. “Os formadores regionais terão encontros periódicos com os membros do comitê para orientações e trocas de experiências. Além disso, cada escola terá que criar seu comitê com membros do conselho escolar para coordenar a ação com apoio da equipe pedagógica”, aponta Silva.
A equipe da Undime Bahia irá formar as equipes das secretarias e essas, por sua vez, irão coordenar a formação dos comitês escolares com o apoio do formador regional. As ações ao longo do ano terão alguns temas prioritários, que serão estudados em momentos diferentes em cada comitê e depois abordados de modo amplo em palestras com transmissão online.
Inicialmente, a Undime prevê seis momentos de formação, sendo dois ligados à própria concepção do PPP e os demais voltados para temáticas específicas como currículo, gestão democrática, educação integral e o papel social da escola. “Temos reforçado que os municípios não vejam o programa como um trabalho extra, mas como uma oportunidade de organizar ou reorganizar o que já vêm sendo feito, sobretudo no contexto de retorno às aulas presenciais depois da pandemia. O PPP é um instrumento que vai organizar o que a escola está se propondo a fazer”, completa Silva.
Próximos passos rumo à reelaboração do PPP
Zuma Evangelista Castro da Silva, uma das formadoras regionais do Programa de Reelaboração dos PPPs na Undime Bahia, acredita que a iniciativa irá ajudar as redes e seus coletivos nos desafios históricos enfrentados no contexto da elaboração, qualificação e gestão dos projetos político-pedagógicos, como ampliar o processo de participação, engajamento e reflexão da prática, tanto da gestão pedagógica quanto da gestão administrativa da escola.
“Sempre foi um desafio para a escola se inserir de maneira mais fluída e harmônica no contexto social da comunidade e, consequentemente, se libertar das burocracias ou dos achismos, a exemplo de perceber o PPP como um simples documento para cumprir uma norma, uma exigência institucional, ao invés de percebê-lo como um documento que sistematiza o desejo coletivo dos atores sociais e cujo fim é a intervenção e a mudança da realidade”, disse em entrevista ao Observatório.
A preocupação é ainda maior no momento atual, com desafios potencializados pela perda da aprendizagem escolar na pandemia. “Os profissionais da educação estão em completo desequilíbrio, presos aos princípios da velha escola, os quais não darão conta da realidade do momento. Estamos ainda com muita resistência para abandonar as velhas práticas e, talvez desesperançados, adentrando, depois de dois anos, uma escola totalmente desconhecida. E eis aqui o grande desafio da Undime Bahia”, destaca.
Ela diz ainda que o processo de formação a ser conduzido no programa “poderá promover uma ‘desacomodação’ dos profissionais da escola que, através do pensar coletivo, poderão encontrar possibilidades para uma mediação pedagógica para assegurar a todas as crianças e estudantes o direito a uma educação capaz de promover a aprendizagem escolar respeitando os princípios da equidade, inclusão e qualidade”, completa.
O programa de formação funcionará por adesão dos municípios e, até meados de abril, cerca de 370 redes já aderiram ao projeto. As inscrições serão realizadas até o fim do mês junto à Undime Bahia. Nos próximos meses, as formações começarão a ser realizadas nos territórios, iniciando com o tema da gestão democrática.
Movimento pela Base